Histórias da Medicina Portuguesa

No termo de uma vida de trabalho, todos temos histórias a contar. Vamos também aprendendo a ler a História de um modo pessoal. Este blogue pretende viver um pouco da minha experiência e muito dos nomes grandes que todos conhecemos. Nos pequenos textos que apresento, a investigação é superficial e as generalizações poderão ser todas discutidas. A ambição é limitada. Pretendo apenas entreter colegas despreocupados e (quem sabe?) despertar o interesse pela pesquisa mais aprofundada das questões que afloro.
Espero não estar a dar início a um projecto unipessoal. As portas de Histórias da Medicina estão abertas a todos os colegas que queiram colaborar com críticas, comentários ou artigos, venham eles da vivência de cada um ou das reflexões sobre as leituras que fizeram.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

GARCIA DE ORTA


Garcia de Orta viveu, segundo consta, entre 1501 e 1568. Os pais eram cristãos-novos. Há quem afirme que nasceu em Elvas e quem garanta que é natural de Castelo de Vide.
Orta estudou em Salamanca e Alcalá, provavelmente de 1510 a 1515. Regressou a Portugal e, em 1526, obteve a carta que lhe permitia exercer Medicina. Dedicou-se, por algum tempo, à clínica em Castelo de Vide. Depois de várias tentativas falhadas, foi aceite pela Universidade de Lisboa, em 1531, como regente interino da cadeira de Filosofia Moral.
Em 1534, provavelmente para escapar às atenções da santa Inquisição, embarcou para a Índia, com o posto de físico do Capitão-mor do Mar da Índia, Martim Afonso de Sousa. Não regressaria a Portugal.
Durante quatro anos acompanhou o seu protector Martim de Sousa em guerras e viagens marítimas e terrestres. Fixou residência em Goa a partir de 1538. Foi médico do Hospital de el-rei e físico de alguns vice-reis e governadores-gerais, e até de potentados indianos. Para além de clínico, terá sido comerciante e mesmo proprietário de um navio mercante.
Católico em público, parece ter continuado a seguir em privado a lei de Moisés. Pouco depois da sua morte, vários familiares seus foram encerrados nas masmorras do Santo Ofício. A sua irmã Catarina terá sido queimada viva, em Goa, por ser “judia impenitente”. Em Dezembro de 1580, as ossadas do grande médico foram desenterradas e queimadas, como era costume fazer aos judaizantes que tinham conseguido enganar em vida a Inquisição.
Quando publicou os Colóquios, Garcia era homem de mais de sessenta anos. Viveu, pelo menos, até 1568.
O livro “Colóquios dos Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia”, impresso em Goa em Abril de 1563, representou provavelmente o primeiro contributo determinante de um português para a Medicina europeia. A edição original da obra teve circulação limitada. O reconhecimento mundial de Garcia de Orta ficaria a dever-se às traduções latinas e francesas e, em especial, à divulgação que dela fez o grande botânico Charles de L`Escluse.
“Colóquios” será um dos livros mais interessantes publicados pelos portugueses da Índia durante os séculos XVI e XVII. São descritas pormenorizadamente muitas plantas indianas, uma desconhecidas e outras mal conhecidas na Europa, e são referidas as suas aplicações terapêuticas. A obra inclui ainda o que parece ser a primeira descrição da cólera na História da Medicina.
Sobre o valor dos Colóquios escreveria três séculos mais tarde o professor alemão F. A. Fluckiger: “Ninguém descreveu ainda as drogas indianas com mais cuidado, nem reuniu sobre elas informações mais aproveitáveis do que fez Garcia... Os Colóquios ocuparão um lugar de honra na história da farmacognose”.
Garcia de Orta foi um homem que se adiantou à sua época. Tinha a preocupação da objectividade e descrevia o que observava. A sua divisa era “eu vi”.
Na Índia teve possibilidade de exprimir com alguma liberdade o seu pensamento, o que não aconteceria na Europa, onde era quase impossível, à data, contestar as ideias de Hipócrates, Avicena e Galeno.
“Não me ponhais medo com elles, eu vi.”
Curiosamente, é publicada nos Colóquios a primeira poesia impressa de Camões. Trata-se de uma ode dedicada ao vice-rei conde de Redondo, em que o poeta descreve Garcia de Orta.

E vêde carreguado
De annos, letras e longa experiencia
Um velho que insinado
Das Gangeticas Musas na sciência
Podaliria subtil, e arte siluestre,
Vence o velho Chiron de Achilles mestre.



Referências:
Dicionário de História de Portugal (direcção de Joel Serrão), Livraria Figueirinhas, Porto, 1985.
História da Medicina em Portugal, Maximiano Lemos, Publicações Dom Quixote/ Ordem dos Médicos, Lisboa, 1991.
Os descobrimentos portugueses. Luís de Albuquerque, Publicações Alfa, Lisboa, 1885.
Fotografias:
História das Inquisições, Francisco Bethencourt, Círculo de Leitores, Lisboa, 1994.
Os descobrimentos portugueses. Luís de Albuquerque, Publicações Alfa, Lisboa, 1885.

1 comentário:

  1. Grande site, sim senhora.Boa estrutura e conteúdo.
    Ajudou-me a fazer um trabalho para o colégio.
    Ass:Aluno do 8ºano

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