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Aconteceu no meu consultório de Setúbal.
O homem, determinado, entrou à frente.
Parecia trazer demasiada pressa.
A mulher, claramente dominada,
seguia-o três passos atrás.
Não vinha pela arreata, mas parecia.
Ele sentou-se primeiro. Andaria chegado
Ele sentou-se primeiro. Andaria chegado
aos setenta anos, mas esforçava-se por manter o corpo bem direito.
A expressão do rosto era de desalento.
Ela seria quinze anos mais nova. Tinha um ar fresco
Ela seria quinze anos mais nova. Tinha um ar fresco
apesar do cabelo branco, farto e bonito.
Devia ser pessoa de bom feitio, pois libertou facilmente
um sorriso cândido quando a cumprimentei.
Foi o homem quem falou.
Era um comerciante relativamente abastado e enviuvara meia dúzia de anos antes, numa altura em que as duas filhas, já casadas, se gastavam com os empregos e com as crianças. Não se davam mal, mas restava-lhes pouco tempo para darem atenção ao pai.
Nunca fora homem de aventuras. Antes de dar um passo, olhava bem o sítio onde assentar o pé.
Deitara os olhos pela terra e escolhera uma senhora modesta, viúva também mas sem filhos, tida como séria e asseada. Era bastante mais nova e toda a gente sabe que as mulheres duram mais do que os homens. Propôs-lhe casamento. Em troca do bem-estar e da segurança económica, pretendia companhia e protecção na velhice.
As coisas correram mal. Dois anos depois de casada, a mulher começou a ficar esquecida. Trocava os nomes às pessoas e abandonava facilmente a carteira na mercearia ou no talho.
Foi piorando. Passou a esquecer as panelas ao lume e a deixar esturrar a comida. Algum tempo depois, perdeu o sentido de orientação. Saía de casa e já não era capaz de regressar sem auxílio. Foi apagando da memória, do novo para o velho, tudo o que lá tinha estado registado. Acabou por esquecer que tinha casado outra vez e recusava ao marido a entrada no leito.
Ainda por cima, desleixara o vestir e, de vez em quando, urinava na cama.
O homem põe e os deuses dispõem. O senhor tinha programado o melhor possível os últimos anos de vida.
Foi o homem quem falou.
Era um comerciante relativamente abastado e enviuvara meia dúzia de anos antes, numa altura em que as duas filhas, já casadas, se gastavam com os empregos e com as crianças. Não se davam mal, mas restava-lhes pouco tempo para darem atenção ao pai.
Nunca fora homem de aventuras. Antes de dar um passo, olhava bem o sítio onde assentar o pé.
Deitara os olhos pela terra e escolhera uma senhora modesta, viúva também mas sem filhos, tida como séria e asseada. Era bastante mais nova e toda a gente sabe que as mulheres duram mais do que os homens. Propôs-lhe casamento. Em troca do bem-estar e da segurança económica, pretendia companhia e protecção na velhice.
As coisas correram mal. Dois anos depois de casada, a mulher começou a ficar esquecida. Trocava os nomes às pessoas e abandonava facilmente a carteira na mercearia ou no talho.
Foi piorando. Passou a esquecer as panelas ao lume e a deixar esturrar a comida. Algum tempo depois, perdeu o sentido de orientação. Saía de casa e já não era capaz de regressar sem auxílio. Foi apagando da memória, do novo para o velho, tudo o que lá tinha estado registado. Acabou por esquecer que tinha casado outra vez e recusava ao marido a entrada no leito.
Ainda por cima, desleixara o vestir e, de vez em quando, urinava na cama.
O homem põe e os deuses dispõem. O senhor tinha programado o melhor possível os últimos anos de vida.
Via-se obrigado a tomar cada vez mais conta da mulher que recrutara para lhe suavizar a velhice.
O médico de família tinha-lhe falado na doença de Alzheimer.
O médico de família tinha-lhe falado na doença de Alzheimer.
Gosto do seu blog. Tenho um filho médico, jovem ainda, a quem gostaria de sugerir a criação de um blog com as suas experiências. Infelizmente, vejo-o pouco inclinado a enveredar por esse caminho, já que nem pelos meus blogs se interessa. Quanto ao Dr António Trabulo, talvez me queira ler em bernardadesouza.blogspot.pt e outros. Também ando por lá um pouco sozinha. Blogs só para gente famosa.
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